quinta-feira, junho 05, 2008

A Beleza das Memórias




Me pego vez em quando lembrando algumas coisas que pensei já ter esquecido a muito tempo. Minha memória é frágil, pouco confiável, e por isso esses momentos acabam sendo de uma beleza tão especial quanto fugaz. Não é comum que eu me emocione sem motivo ultimamente, acho que perdi um pouco da suposta sensibilidade que sempre me atribuíram. Mas ainda me emociono com essas inserções espontâneas de lembranças, talvez por ser sempre pego desprevinido.

Algumas vezes, engraçado, é como se eu ficasse à deriva. Boiando de lado enquanto algum cheiro, algum som, alguma cena me faz lembrar algo que eu não lembrava mais. Como um filme de baixo orçamento (perdão pela analogia clichê) em que os atores principais lembram de leve alguém que eu conheço, ou conheci, porque raramente eu mesmo sou o personagem principal das minhas memórias. É estranho lembrar de você fazendo alguma coisa, como se fosse uma câmera filmando de cima o seu “eu-ativo”. Não. Enxergo-me talvez como um narrador, ou um espectador em terceira pessoa, ou somente alguém que estava ali, sabe lá porque, e vivenciou aquelas coisas todas.

O mais impressionante é como algumas cenas são ligadas especificamente a algumas ações ou sensações. Eu lembro sempre da mesma pessoa, de manhã, quando minha mãe sai do banho – alguém que usava o mesmo shampoo, provavelmente, e que o cheiro automaticamente me faz sussurar o nome, como num estalo – puxa, essa pessoa realmente passou pela minha vida. Ou como vira e mexe eu ainda travo para atravessar a rua, inundado de flashes da vez que eu fui atropelado. Coisas que, se eu buscar na minha memória com vontade, talvez lembre, mas que não fazem parte daquele grupo seleto de lembranças citadas diariamente – experiências re-aproveitadas por algum motivo.

Engraçado... Tenho lembranças que não me pertencem, também. Eu vivo algumas cenas, na minha cabeça, que por algum motivo foram isoladas da minha vida, auto-defesa talvez, e que embora eu conste nelas, me parecem pertencer muito mais às outras pessoas que viveram-nas comigo do que a mim mesmo, e talvez por isso me impressionem bastante quando por algum motivo ressurgem, enquanto eu me pergunto “o que diabos você está fazendo aqui?”. Algumas vezes acho que é culpa da minha imaginação fértil – tento buscar em algum ponto adormecido do meu cérebro onde o resto delas pode estar, ou ao que elas estão ligadas, ou até mesmo onde, quando e como eu as vivi, e muitas vezes só consigo chegar a uma série de hipóteses e “serás”.

Acho que o bacana das memórias é como elas são únicas e pessoais. É muito raro que as pessoas todas dêem o mesmo valor para as situações que vivem, eu valorizo algumas coisas, você outras, e assim formamos memórias importantes de diversos momentos que vivemos juntos, cada um com as suas e juntas, completas. Eu me prendo sempre na insignificância dos detalhes, é deles que lembro mais. O que pode parecer cômico para quem me conhece de verdade e sabe que normalmente eu tento observar sempre o todo da cena. É um exercício de atenção e de raciocínio – observar o todo. Mas na hora de me lembrar, lembro de alguns detalhes. Em brigas ou declarações de amor, lembro de algumas palavras, de um gesto importante, de uma ação e ali deposito toda a significância do acontecimento sem muitas vezes fazer idéia de tudo que levou até ali, outras vezes sequer consigo lembrar os motivos. Não me parecem tão importante quanto aquele detalhe – aquele detalhe que pontuou o fato.

Tudo isso porque hoje estou doente. Nada de mais, provavelmente, mas por estar doente estou mais sensível do que o normal e por algum motivo que não sei explicar acabei me emocionando com uma lembrança totalmente fora de mão enquanto assistia o jogo do Fluminense, uma das lembranças repentinas mais bacanas que já tive. Até me motivou a escrever. Que bom! Já ia fazer um mês.


Obrigado pelas memórias.

2 comentários:

Liene disse...

Faltou dizer qual é.

Mas acho que funciono mais ou menos assim também, e ainda bem, porque é muito bom.

Uma vez eu estava ouvindo Fukai Mori, uma das minhas músicas favoritas, e quase não ouvi o telefone tocar. Atendi e era a Fê. Desde esse dia, toda vez que eu ouço a música, no mesmo instante eu ouço o telefone tocar e penso nela.

Esse exemplo é simples, tem coisas muito mais profundas e que só você entende, mas a sensação de ser invadido de repente por uma memória é impagável.

Gabriel Cal disse...

Não rola dizer qual foi a memória, muito pessoal, mas acho que é por ai mesmo ;P