sábado, junho 23, 2007

O Labirinto do Fauno

Veja bem, eu não costumo dar muita trela para crítico de cinema. Todo mundo sabe que vira crítico quem não tem habilidade para ser outra coisa mais, nem sequer roteirista, que não é lá muito difícil se você sabe escrever (e para ser um crítico, espera-se que ao menos isso você saiba) – sem julgo de valores aqui, o roteirista medíocre (eu) e o Quentin Tarantino estão colocados no mesmo grupo.

Fato é que eu aluguei três filmes para assistir, são eles: o filme épico russo Wolfhound (O Último Guerreiro, em português), que é lá alguma coisa de interessante, considerando que os caras são russos, e que na Rússia as únicas coisas que prestam são a vodka e os submarinos; e Fearless (O Mestre das Armas), esse, ao invés de Russo, é Chinês - estrelado pelo Jet Li, o filme é bacaninha também, tem toda uma lição de vida sobre o “wushu” tentando ser passada por um cara que como ator é mediano e como artista marcial é divino e que espalhou por ai que esse é seu último filme de luta.

Chegamos então ao terceiro filme, El Laberinto del Fauno (O Labirinto do Fauno). Após assistir o filme eu corri para meu computador recém formatado e fui procurar alguém para dividir o que eu sentia no msn, e não encontrei. Então, tomado pelo ímpeto da discussão, fui procurar por críticas na internet... L
i duas críticas e desisti. Eu procurei pelas críticas, óbvio, em um site escrito por jovens/adolescentes estudantes e amantes de cinema - dos quais um dos meus mais queridos amigos de faculdade faz parte, - site esse que não colocarei o nome aqui. Pensei que por eu ser relativamente jovem teríamos mais ou menos a mesma sensação ao assistir o filme, ledo engano.

A justificativa maior de ambas as críticas para uma nota diferente de 10, que é a que o filme merece, é a de que ele é “longo de mais”. Mais que caralhos? Longo de mais? Duas horas de filme não é “muito tempo” pra uma geração regada a “Senhor dos Anéis”, “Piratas do Caribe” e “Kill Bill”. Aliás, se fosse uma geração regada a Bergman e Fellini ainda não seria muito tempo, porque afinal, os “clássicos” como “Morangos Silvestres” podem ter uma horinha mas parecem demorar umas seis horas pra terminar, ao contrário do Labirinto, que pareceu durar 15 minutos.

Eu sei que qualquer comentário sobre esse filme vai parecer atrasado, afinal, até o Oscar já premiou o filme – e eles já não costumam ter o timing muito bom! Enfim, escrevo só agora, porque finalmente tomei vergonha na cara comecei a assistir os filmes que perdi esse tempo que fiquei “ausente” das locadoras (tudo graças a promoção da Blockbuster de pagar 70 pilas e poder alugar, de 3 em 3, quantos dvds você quiser por um mês).

Então vocês estão pensando: se você sabe que vai parecer atrasado, porque não para por aqui? E eu respondo: porque eu não to afim, certo, jow?

[ - OBSERVAÇÃO – A partir daqui surgirão irremediáveis spoilers sobre a trama. Na verdade, nem vale a pena ler tudo o que eu escrevi, juro. Você vai se arrepender. Pode optar por pular só pro negrito lá embaixo e captar o espírito, ou então, pode ler tudo e depois me xingar. ]

O Labirinto do Fauno é sem dúvida um dos filmes mais interessantes que eu assisti nos últimos anos. Não vou entrar nos aspectos técnicos e enfadonhos como montagem e edição, a composição dos campos e a direção de arte espetaculares, porque nem foi isso que me atraiu mais. O Labirinto do Fauno é um filme de horror. Horror psicológico. Ao menos para as pessoas sensíveis, se é que ainda existe alguma no mundo (desde que o terceiro Piratas do Caribe matou uma criança nos primeiros cinco minutos de filme e talvez uma ou outra pessoa que eu conheça tenha se emocionado/arrepiado com a cena, passei a achar improvável que existam muitas). O que mais me impressionou, portanto, é a forma como um filme de horror como esse consegue ser ao mesmo tempo tão bonito.
Para quem não viu, o filme começa com uma narração over de uma história sobre um mundo de conto de fadas, em que uma princesa foge do seu reino e vem para o mundo “exterior”, lá ela morre. Seu pai, então, decide aguardar seu “retorno” em um novo corpo para trazê-la de volta para casa. Passamos a acompanhar, a partir daí, a história de Ofélia (não, não é a mãe do Murilo), uma garotinha simpática apaixonada por contos de fada que junto de sua mãe carente e grávida vai ao encontro do padrasto recém adquirido, um dos comandantes do exército nacionalista espanhol do generalíssimo Franco. O que nos dá a ambientação – meados da década de 40 em plena a guerra civil espanhola, aquela que já foi retratada até por Picasso.

O tal padrasto, Vidal, está acampado nas margens de um bosque, num casebre antigo, tentando conter um grupo rebelde nas proximidades. Vidal é um dos piores violões do cinema contemporâneo, sádico e rígido, provavelmente foi abusado sexualmente quando era criança, mas isso não vem ao caso. A mãe, Carmen, tem complicações sérias na gravidez e corre risco de vida. Próximo ao casebre existe um Labirinto. Ofélia passa a ter contato com um animal primeiro retratado como um inseto nojento, mas que ela reconhece como uma fada. A fada a leva até o centro do Labirinto, aonde existe o último dos portais que o pai da garotinha do começo do filme deixou aberto para que a filha voltasse, nesse portal, ela encontra nada mais nada menos que Pan, o Fauno.

E quando eu digo Pan, o Fauno, eu digo uma criatura medonha, bizarra e assustadora, com dentes ameaçadores e chifres enormes. Esquece tudo o que você viu no desenho do Jovem Hércules, esse Fauno é de meter medo em criancinhas sem dó nem piedade. Eu teria pesadelos para sempre. O tal Fauno reconhece a menina como a filha do tal rei, e diz que para que ela prove que não virou uma mortal ela deve cumprir três tarefas, e então poderá retornar ao seu reino. Sacaram né? Vai todo mundo achar que o Fauno é mal. Lógico, o bixo é horrendo, ele tem que ser mal, certo? PAN! Errado!

Whatever, a história do filme essa. A mãe ta morrendo, o padrasto é o capeta e o único cara que pode te salvar é um bixo grotesco, só que para isso você precisa fazer três tarefas bizarras. Porque um filme desse é tão bacana? Porque ele não é nada disso. Quer dizer, ele diz pra você que é... Só que ele ta tirando sarro da sua cara.

O filme é muito mais maduro, ele trata do caminho nobre que podemos percorrer até a nossa morte, mesmo nas maiores adversidades, mesmo no pior dos climas, mesmo errando um pouco no caminho. Ele fala de um retorno à inocência mostrando o inverso, a feiúra e a violência do mundo. Existe duas elipses claras no filme, que são: a forma como ela entra no quarto do padrasto para buscar o irmão mesmo com a porta “trancada” e o cara “lá dentro”; e a mãe melhorar subitamente da doença após a macumba da Ofélia, e morrer quando o padrasto queima a macumba. Não fosse por isso, poderíamos afirmar com toda a certeza que esse mundo de fantasias que a garota vive não é nada mais do que uma fuga da realidade, a forma que ela encontrou para se refugiar da sujeira do “exterior”, embora o mundo de fantasias por si só seja um reflexo claro dessa “sujeira”, onde até mesmo as fadas são criaturas medonhas – embora amigas.

O filme é emocionante. O caminho que ele toma é de certa forma inesperado, embora todas as velhas características clássicas do “herói” estejam de alguma forma lá, elas ainda te surpreendem um bocadinho. O que eu escrevi, escrevi, escrevi, e não consegui dizer direito, é que a mensagem que o filme tenta passar é linda: a única forma de sobrevivermos como seres sociais emocionais – o resgate dessa sensibilidade que foi perdida – é através do cultivo de um olhar inocente.
Até mais.

Um comentário:

Liene disse...

Não li o pedaço que não era pra ler só pra evitar spoilers.

Droga, tô atrasadona também. =/