sábado, fevereiro 10, 2007

Um conto moderno.

O movimento suave dos dedos foi mais do que suficiente para que a pequena ponta queimada do cigarro se desprendesse do resto e se desfizesse no ar, em cinzas, espalhando-se pelo ambiente e desaparecendo, como se nunca estivesse estado ali. Os olhos cinzentos, levemente ofuscados pela luminosidade do lugar, pareciam perdidos e moviam-se energeticamente de um lado a outro da orbe ocular, como se procurasse por algo que lhe chamasse a atenção, um refúgio aonde pudesse repousar.

Encontrou, no meio da turba que se movia de forma lasciva, em algum tipo de dança que ele intimamente considerava patética, algo que lhe valia a perda breve de alguns segundos. Levou os dedos até o canto dos lábios, massageando-os com a ponta gentilmente num movimento que parecia encobrir qualquer vestígio de malícia que o sorriso cretino pudesse ostentar, em seguida tragando da fábrica de câncer ambulante que carregava presa entre o médio e o anelar, soltando mais um tanto de fumaça para cima.

Na mão livre trazia uma long neck de urina engarrafada. Não conseguia entender como algo tão sem graça podia agradar tanta gente. O que mais o perturbava, na verdade, era o cheiro. Não era o fato de ter de ir ao banheiro de trinta em trinta minutos, enfrentando filas sem fim e pisando sobre poças de mijo para chegar até o tão almejado mictório, nem sequer o fato da bebida poucas vezes faze-lo alcançar o grau desejado no tempo necessário, não. Nada disso. O cheiro. Levou a cerveja até os lábios e deu um gole longo, sentiu a bebida em temperatura inferior ao que seria aprovável escorregar pela garganta, arranhando-a, agredindo-a, e os olhos lacrimejaram por breves momentos. Largou-a ali mesmo e caminhou na direção da pista.

Era de seu costume ver o que de errado todas as situações possuíam. Costumavam dizer que ele parecia acima de todo o resto, como que observando de uma distância segura a brincadeira que se passava na ciranda social. Diziam que ele estava sempre atento, duvidavam que algo lhe pudesse escapar do olhar sempre presente, sempre inquisitivo e provocante. A situação em que se encontrava, podia observar, não era das mais interessantes. Estava ele, deslocado de seu habitat natural e confuso como qualquer outro animal estaria. A bebida não o satisfazia e as luzes lhe feriam a vista. A música era como uma pequena e torturante britadeira ecoando prédio acima até seu andar, apartamento de janelas abertas e ele deitado na cama com o som infernal lhe invadindo os ouvidos que imploravam por paz e um pouco de descanso. Além de tudo isso, podia sentir as gotículas de suor escorrendo pelo canto do rosto, algumas vezes teimosas o suficiente para lhe cair por sobre a maçã e obriga-lo a mover a mão para limpa-la.

Mas conseguia enxergar também algumas vantagens, o som e a luz somados à bebida faziam entorpecer a mente das pessoas mais facilmente sugestionáveis. O suor escorrendo era generalizado, o que de alguma forma era agradável – ele não pareceria o único suíno no lugar. Não demorou muito para que as passadas firmes e a vontade inabalável de se locomover pelo local inundado de corpos rumo ao objetivo capturado por seu olhar causasse pequenas aberturas. Havia algo de cheiro, algo de hormônio, algo de postura. Algo que diferenciava o predador do rebanho, que identificava o líder da matilha e que fazia com que a percepção quase inexistente do ser humano ativar-se e involuntariamente fizesse-o mover-se para que o homem pudesse passar.

Sentiu uma das mãos tocar em outra. Sem demorar muito, elas escaparam e tocaram a pele crua do que seria uma cintura. Aproximou o corpo, invadiu o espaço pessoal da jovem, aquela que ele pousara o olhar minutos atrás, avistando-a no meio da pista sozinha embora rodeada de outras criaturas. Era engraçado como em momentos pouco propícios tinha visões extremamente românticas e nada compatíveis com a personalidade que gostava de mostrar, via-a como uma flor solitária num mar de cactus. Agressivos – feriam -, mas ao serem dominados possuíam uma grande reserva de água que poderia ser utilizada em casos limite de desespero.

Permitiu que deslizassem as pontas do dedo pela pele, enquanto contornava o corpo da garota, de um lado ao outro, dedilhando-a como um pedaço de seda macio. Parou atrás dela, ao lado do ombro esquerdo e aproximou os lábios do ouvido da fêmea. Sussurou algo que a fez voltar-se na direção dele com a fronte espantada, como se tivesse ouvido um segredo mortal. Ele sorriu com o canto dos lábios, erguendo-o levemente no que poderia ser considerado uma obra prima da interpretação teatral moderna. Olhou-a firmemente nos olhos, fitando-os e instigando-os, como se olhasse além.

Ela então, após alguns breves segundos, teve um estalo. Um insight sobre o que lhe fora dito. Ele estava acostumado com a demora da reação alheia. Não poderia esperar que todos tivessem o raciocínio na mesma velocidade do dele. A garota sorriu, não só com os lábios como também com os olhos. Ele achava aquilo bonito, como algumas mulheres conseguiam se comunicar não somente com os lábios e com o som, ou com o corpo, mas também e principalmente com os olhos. Era um dom, tinha certeza. Segurando-a novamente para cintura, trouxe o corpo para mais perto, junto ao dele, ainda fitando-a nos olhos. Sem resistência, ela movimentou os braços, abraçando o tronco dele, encaixando-se melhor. Fechou os olhos, esperando pelo inevitável. Ele sorriu, agora como vitorioso. Embora acostumado com a arte de dominar o parceiro, não deixava de sentir-se bem a cada nova conquista. Apressou em junta-la mais, encaixando a perna entre as dela e ousou um movimento do rosto na direção dos lábios entreabertos.

[...]

“Que merda!”.

[...]

Quando deu por si a garota já estava no chão, e ele balançava a mão algumas vezes. A mão que havia esquecido. Repetiu o insulto novamente e olhou com desdém para a jovem de braço estendido pedindo ajuda para levantar. Precisou de alguns segundos para rever o que acontecera na sua mente, a dor e então o movimento de livrar-se do abraço da garota sem muita delicadeza desequilibrando-a e deixando-a no chão, então olhou para a marca de queimadura entre o médio e o anelar, originária do cigarro que esqueceu de apagar. Bem que lembrava de alguém dizer que aquela merda ainda ia atrapalhar algo importante.

Deu as costas e voltou a caminhar na direção do bar, iria precisar de mais uma garrafa de urina gelada para sobreviver àquela noite.

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Pós-Escritos:

O conto não foi revisado e nem será. Provavelmente contém inúmeros erros de português, datilografia e concordância, mas eu não dou a mínima.

Sei que prometi uma coisa no último post, mas como eu estava inspirado pra redigir um conto - e não uma dissertação, e precisava urgente atualizar esse blog, decidi postá-lo aqui e fica por isso mesmo. Nas próximas atualizações eu juro que cumpro minha promessa inicial e falarei sobre o assunto que pedi para que pensassem.

Outra coisa, estou lançando, com um amigo, um blog novo. Chama "Soh na Cretinage". Vou adicionar o link ali do lado.

O blog tá tendo bastante acesso, mais de 150 por semana. Isso é bem, bem, bem bacana. Mesmo sendo metade gente que volta pra ver se eu atualizei duas ou três vezes na semana, o que é mais bacana ainda, porque tem gente querendo ler ;P. Vou ver se atualizo com mais frequência, ok? Comentem, por favor. ;P São os comentários que me empolgam e me fazem continuar a escrever. Simple like that.

3 comentários:

Anônimo disse...

Achei bacaninha até. Muito desse carinha aí e também certas expressões/palavras lembram muito você :P

Vou ler o outro blog, seu puto!

Anônimo disse...

Aaaaaaaaaaah, faltou o beijo.
Mas bem feito pros dois, facinhos demais, apesar de toda a pompa do texto. =P

Anônimo disse...

adoooorei o "soh na cretinage". só passei o olho por cima e panz, pq estou incrivelmente (!) atolada aqui no serviço. e nem li aqui também.

mas podexá, gabs.
quando eu tiver um tempo, leio o conto!

;*